Como Montar Seu Altar em Casa no Caminho 3T

Altar caseiro do Giridhari

Aqui vou explicar por que você deve ter um altar em casa, o que muda quando tem um altar, como você pode montar seu altar, as atividades diárias que deve realizar com seu altar e como oferecer seus alimentos para transformá-los em prasadam.

Por que montar um altar?

O conceito básico do caminho do yoga é tornar sua vida transcendental, ou, espiritualizar sua vida. O objetivo é espiritualizar sua vida toda, não apenas acrescentar uma prática religiosa ao dia, mas transformar sua existência, sua consciência, de volta ao seu estado natural que é puramente transcendente e cheio de amor.

Um dos ensinamentos básicos do yoga é que Deus está presente em nosso coração. Essa forma de Deus é chamada de Paramatma, ou literalmente traduzido, Superalma. Ao lado de seu “eu”, você alma, está a Superalma, em seu corpo. Seu corpo é, portanto, um templo de Deus com a presença viva e ativa de Deus.

Com isso, não é necessário visitar qualquer templo ou ter um altar em casa, pois você já está morando num templo: seu corpo.

Porém, estamos aqui no processo de recuperação espiritual e nosso maior desafio é nossa mente inconstante e distraída. Para tanto, precisamos de toda ajuda possível para manter nossa mente no caminho do yoga, lembrando de nossa conexão com Deus e a presença de Deus em tudo e todos.

Nesse sentido, ter um altar em casa é uma ferramenta poderosa. Em primeiro lugar, estaremos consagrando, tornando sagrado, nosso lar. Em segundo lugar, estamos criando uma ponte para o divino, um canal aberto, fácil de ver, impossível de ignorar, bem onde moramos. Isso trará nossa mente de volta a Deus mais vezes, mais facilmente.

O que muda quando eu tenho um altar?

O conceito é que uma vez que você criou a intenção e convidou Deus a ficar em seu altar, Ele, por amor a você e para lhe ajudar, aceita vir e se manifestar ali, presente e visível, numa forma feita de Sua energia material.

Eu falo mais sobre o conceito da Deidade aqui: https://giridhari.com.br/a-deidade/.

Assim, considere que, apesar de Deus estar em tudo e todos, Ele estará diretamente presente ali em seu altar. Deixe sua consciência absorver esse fato: Deus está diante de você. Deixe seu coração sentir essa presença, fluindo em amor, Krishna-prema.

Como montar meu altar?

Seu altar deve ficar idealmente na sua sala, ou num escritório. Não deve ficar num espaço externo, sujeito aos elementos, nem no quarto. Pense num convidado especial. Uma pessoa importante. Onde você vai receber essa pessoa em sua casa? É lá que queremos receber Deus.

O altar precisa de pouco espaço, portanto pode ocupar uma parte de uma estante, ou ser colocado em uma pequena mesa.

Ou, se tiver como, você pode fazer um móvel especial para seu altar. Eu fiz o meu atual focado no Bhagavata Purana, que é considerado a encarnação literária de Krishna. Tem o livro em Português em cima e Inglês em baixo. E a parte de cima serve de altar.

O foco de seu altar no Caminho 3T é Radha-Krishna, o Casal Divino.

O jeito mais fácil de montar seu altar é usando uma linda imagem de Radha-Krishna em um belo porta retrato. Na Internet você encontrará lindas imagens, mas lembre-se de buscar imagens de alta resolução. Pode escolher a que mais toca seu coração e imprimir naqueles sites ou lojas que imprimem fotos, com papel e impressoras especializadas, assim garantindo um acabamento perfeito.

Se não conseguir achar uma imagem, deixo aqui uma arte tradicional linda, que servirá bem. E, claro, hoje em dia, cada vez mais, pode usar os recuros de criação de imagens de inteligência artificial. Esses sistemas já conseguem fazer imagens de Krishna bem lindas.

Radha-Krishna para seu altar

Outra opção é encontrar estátuas de Radha-Krishna.

Uma opção que achei bem atraente é desse artista devoto na Índia: https://www.instagram.com/p/Ct88cTfNQH3/.

Ao colocar uma estátua, se não vier já com uma base, lembre-se de elevar um pouco, acima da estante ou mesa, como fiz com minha Deidade de Sri Yoga-Nrsimha.

Não chegamos em Radha-Krishna do nada. Nossos olhos se abrem, nosso caminho se revela, com a ajuda do guru. Assim, é tradição que no altar também colocamos o guru, na forma de foto ou pequena estátua. No meu altar tenho um porta-retrato de meu guru, Srila Acharyadeva, e também uma estátua de Swami Prabhupada, pois grande parte de meu aprendizado se deu por seus livros.

Repare que cada porta-retrato ou estátua no altar deve ter um copinho de água.

Foco é importante. No seu altar não deve ter nada de outras religiões e tradições, como estátuas de Jesus, Maria ou Buda. Se achar que precisa ter ainda por não compreender a natureza de Krishna como a fonte de tudo e todos e o aspecto mais elevado de Deus, então mantenha em outro local.

Mas, fique à vontade para decorar o altar. Em altares com Radha-Krishna é tradicional adicionar pavões e vacas, devido a conexão das atividades de Krishna com esses dois animais. Mas você pode adicionar cristais e outras decorações de seu gosto que considere apropriadas.

Atividades diárias diante do altar

Você deve acordar, tomar banho e se apresentar diante do altar, prestando reverências, tocando a cabeça no chão. Ofereça orações de seu coração, peça proteção, abrigo e as bençãos de Deus. Peça que Deus lhe ocupe em Seu serviço, que faça de você um instrumento para Sua vontade. Peça força e clareza mental para ficar firme no dharma, sempre em bhakti, no aqui e agora.

Em seguida, tire o pó do altar passando um papel toalha ligeiramente húmido para limpar tudo.

Troque a água dos copinhos. Essa água é prasadam. Coloque algumas de suas gotas em sua cabeça e na cabeça de outros, incluindo os pets, ou em plantas. Todos que entrarem em contato com essa água serão abençoados. Em seguida, enche os copinhos novamente. Ao colocar os copinhos no altar, mentalize ou murmure a oração, “que o Senhor fique satisfeito com essa água”.

Tire a flor antiga. Agora essa flor é prasadam. Agora você pode cheirar a flor e oferecer a outros para cheirarem a flor. Todos que cheirarem essa flor serão abençoados. Ofereça a nova flor do dia. Lembre-se que é essencial que essa flor não foi cheirada por alguém. Não oferecemos a Deus os restos dos outros. Primeiro Deus. Ao colocar a flor no altar, mentalize ou murmure a oração, “que o Senhor fique satisfeito com essa flor”.

Incenso não é saudável. Não devemos usar incenso diariamente, pois fere nossa saúde. Mas se ainda usar, ofereça primeiro no altar, e deixe queimando perto do altar. Quando terminar, limpe as cinzas, e jogue fora o palito do incenso queimado.

Tente fazer pelo menos parte de sua prática de japa diante do altar. Para tanto, tenha um conjunto de colchão e almofada para meditação. Aqui o que eu uso.

No final do dia, faça novas orações, com foco em rever seu dia e oferecer, mesmo que novamente, as atividades do dia, os dharmas cumpridos, a Deus. Lembrando que tudo que fez no dharma foi para o prazer de Deus. E onde errou, fugiu do dharma, peça perdão e ajuda para não mais errar. Se despeça de Deus, pedindo Suas bençãos para que possa cumprir seu dharma de dormir bem para Ele.

O altar lhe ajuda a lembrar que essa é sua vida em yoga, um ciclo abençoado de 24 horas: começa o dia com Deus, suas atividades durante o dia são para Deus, e você termina o dia com Deus, indo dormir como seu dharma natural em oferenda a Deus.

Escute seu coração. Sinta-se à vontade acrescentando práticas e criando seus horários. Por exemplo, eu canto e toco meu harmônio, o mantra Hare Krishna e em seguida o mantra de Sri Nrsimhadeva (namastê narasimhaya…), por volta de 5 ou 6 da tarde, todos os dias, como parte de meu programa diário. Você pode também aprender a cantar mantras, tocando harmônio, violão ou outro instrumento, ou apenas reproduzir uma gravação e acompanhar.

Oferecer alimentos a Deus

Ofereça com amor. O Sentimento é que importa. Os yogis seguem a instrução de Krishna e comem somente prasadam, ou seja, alimentos que foram primeiros oferecidos em amor a Ele. Não há regras ou regulações específica, pois o que importa é o amor (bhakti), é a conexão (yoga).

Tradicionalmente, pequenos pratos e copos são usados exclusivamente para oferecer alimentos no altar. Um pouco de cada tipo de alimento preparado e bebida a ser consumida é colocado nos pratos e copos. A bandeja com eles é colocada diante do altar e oferecida com amor, acompanhado de mantras e orações. Pode ser apenas o mantra Hare Krishna e oração “que o Senhor fique satisfeito com essa oferenda”.

Aqui eu levando oferendas para o altar no Paraíso dos Pândavas.

Depois a comida é colocada novamente junto com os preparos, o suco colocado na jarra, o preparo na panela, etc. Ou algumas vezes, servida à parte.

Fazer isso em casa é muito bom, usando seu altar para isso.

Mas, se isso for tudo muito complicado e você não sentir que está pronto para isso, ou sentir que já está em suficiente união com Deus para não fazer isso, pode pular esse procedimento e oferecer o alimento apenas mentalmente, direto da cozinha, diante da panela, do suco feito, do produto aberto, etc. Ou, se estiver comendo fora, diretamente de seu prato e copo antes de começar a comer.

Porque, de novo, o que importa é o sentimento. O amor.

Se ainda não for 100% vegetariano, tudo bem! Ofereça aquilo que é vegetariano da forma acima descrita. Para mais dicas, veja esse vídeo:

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Disciplina da rotina

Uma das formas que o altar lhe ajuda é em manter disciplina e constância, atributos de sattva-guna.

A rotina diária com o altar é um poderoso exercício em constância e foco, criando a estrutura espiritual e devocional de seu dia.

Lute contra a influência de tama-guna, que vai querer lhe convencer a não cuidar do altar devido a preguiça ou a influência de raja-guna, que vai querer lhe convencer que só hoje você não tem tempo.

Sua espiritualidade é prioritária. Portanto, você criará tempo e certamente não cairá vítima da preguiça. Cada vez que você derrotar tamas e rajas assim, você se fortalece.

Simplicidade

O que estou explicando acima é a forma que eu pratico hoje. Foco no sentimento, na conexão, no amor. Mas em realidade a adoração a Deidades pode ser bem complicada e requintada.

Por exemplo, durante décadas eu adorei minhas Deidades, tanto em casa como no Paraíso dos Pândavas, usando esse método, considerado simplificado: https://giridhari.com.br/ensinamentos/cerimonia-de-arati-regras-basicas-para-adorar-a-deidade/. E claro, nos templos, é muito mais sofisticado, com 7, 8 ou 9 oferendas diárias, de 3h30 da manhã até as 10 da noite, guirlandas feitas diariamente, troca de roupas e joias, múltiplas refeições feitas somente para as Deidades, etc. Times de sacerdotes, chamados pujaris, passam horas por dias dedicados a um altar com duas ou três Deidades assim.

Existe também uma prática um pouco mais esotérica, chamada de adoração de salagram sila, onde uma pedra sagrada considerada não-diferente de Krishna, é adorada. Esse tipo de pedra só é encontrado no Rio Gandaki, no Nepal. Na verdade, não são pedras, mas fósseis de amonite, onde diferentes marcas e cores, indicam diferentes avataras. Tem toda uma história milenar de como isso se deu. A adoração requer cerca de uma hora de cuidados diários.

Diferentes pessoas têm diferentes inclinações. E tem pessoas que amam esse tipo de prática devocional, onde entram em meditação ativa na prática. Eu aprendi com meu mestre espiritual a fazer a forma simples. Meu mestre espiritual apenas tem os quadros na parede, fotos de Deidades de Radha-Krishna de templos, e senta diante deles e canta e presta suas reverências. Ele nem mesmo oferece água ou flores.

O que faço hoje, e passo aqui para meus alunos, eu considero ser simples bastante para ser acessível e passível de ser praticado diariamente por qualquer um, e ao mesmo tempo com demandas diárias suficientes para exigir foco e atenção direcionados a Krishna.

Essa prática certamente trará muitas bênçãos e realizações em sua vida espiritual.

Para os que estão curiosos sobre meu altar em específico, acrescento aqui essa pergunta e resposta:

Giridhari, por que tem Sri Nrsimha no seu altar e não Radha-Krishna?

Eu comecei minha vida espiritual na ISKCON. Lá eles ensinam as pessoas a adorarem dois grande gurus medievais de nossa linhagem, Caitanya Mahaprabhu e Nityananda (conhecidos mais simplesmente como Gaura-Nitai), que eles acreditam serem encarnações de Radha-Krishna e Balarama respectivamente. Eles desaconselham as pessoas a adorarem em seus altares Radha-Krishna diretamente, acreditando que para isso você precisa ter um padrão muito sofisticado de adoração. Mesmo os templos da ISKCON são proibidos de terem Radha-Krishna se não tiverem uma grande equipe de sacerdotes (pujaris) para tal. Hoje, eu entendo que essa instrução é equivocada e cria obstáculos na conexão das pessoas com Radha-Krishna, por isso eu ensino meus alunos a criarem essa conexão direta desde o início. É isso que Krishna pede na Bhagavad-gita tão claramente.

Mas, na ISKCON, sempre houve a adoração também da forma de Deus como Nrsimha. Nrsimhadeva é um poderoso avatara da tradição. É a forma de Deus protetora, sendo uma avatara que apareceu só para salvar o Universo de um ser do mal muito poderoso, Hiranyakashipu, e, em especial, salvar um devoto muito importante, Prahlada Maharaja, de ser morto. A história e ensinamentos de Sri Nrsimha podem ser lidos no Bhagavata Purana (e ouvidos aqui: https://www.bhagavatapurana.com/audiobooks) e existem templos de Sri Nrsimha muito antigos espalhados pela Índia.

Eu desenvolvi uma forte conexão com Sri Nrsimhadeva e quando montei o Paraíso dos Pândavas, quando ainda estava na ISKCON, como não podia ter Radha-Krishna no altar, eu decidi ter Sri Nrsimhadeva. Pedi para meu querido amigo Gurusevananda, que na época estava na Índia, para procurar uma Deidade para mim. Pouco tempo depois ele achou essa Deidade tão especial, feito por um artista de Vrindávana. Uma Deidade de Yoga-Nrismha-Laskhmidevi-Sheshanaga. Yoga-Nrismha é uma forma tradicional de Nrsimha fazendo yoga, em meditação. Diferente de Sua outra forma tradicional, chamada de Ugra-Nrsimha, que é Ele bravo, lutando contra Hiranyakashipu para salvar Prahlada. Eu prefiro Ele calmo, combina mais comigo. Em Seu colo (parcialmente escondida aí na foto acima pela flor), está Lakshmi-devi, a Deusa da Fortuna, a forma feminina de Deus. E Nrismha está sentado e protegido pela outra forma famosa de Deus, Shesha-naga, que sempre está como assento de Deus, tanto que nos Yoga Sutras de Patanjali, é Shesha que é mencionado como exemplo de um asana (assento) perfeito.

Quando me mudei do Paraíso dos Pândavas, não tive dúvidas que Sri Nrsimha iria me acompanhar e por isso O adoro aqui todos os dias no meu altar. E, em cima do altar, como parte do altar, tenho um grande quadro com uma linda pintura de Radha-Krishna e as 8 gopis mais importantes. No meu coração, Sri Nrsimha ficou como foco de minha adoração formal, em respeito e submissão, e Radha-Krishna como foco de meus sentimentos devocionais amorosos e íntimos.

Dharma: a pedra angular dos textos sagrados índicos

Dharma: a pedra angular dos textos sagrados índicos

Esse texto foi escrito a pedido da Professora Nelza Mara Pallú, Professora Doutora em Letras na UFPR, para compor seu trabalho de literatura clássica, que futuramente será publicado em livro. A professora Pallú, ao realizar uma viagem acadêmica-cultural à Índia para selar um acordo internacional científico entre a Universidade UNIOESTE-MCR, Brasil e a GLA University – Mathura-India, se propôs a traduzir o clássico hindu sagrado “Thirukkural”. Assim nasceu o Projeto Internacional denominado “Thirukkural em Português”, que será traduzido e publicado em um livro trilíngue: Tamil, Inglês e Português.

Dharma na Bhagavad-gita e demais textos sagrados Índicos.

Dharma é um conceito encontrado na maioria dos textos sagrados da Índia e de outras partes do mundo. Aqui iremos entender o que é o dharma, como ele se apresenta na Bhagavad-gita, porque ele está aparentemente ausente do Tirukkuṟaḷ , como ele se encaixa nos famosos quatro objetivos da vida humana (purusharthas), sua ligação com o conceito do carma e a lei do carma, sua posição como a base de qualquer caminho religioso e seu aspecto último como a expressão da espiritualidade pura, ou yoga.

Dharma é difícil de traduzir em uma única palavra, mas em duas fica mais fácil: dever e propósito. Dharma define o melhor de você, não somente de acordo com quem você é, mas também tendo em conta o momento e situação na qual se encontra. Dharma representa sua melhor versão, levando-o a agir da melhor forma possível diante do que a vida lhe apresenta neste momento. Se o propósito dos textos sagrados é elevar a cultura e estimular o melhor de nós, não é à toa que o dharma esteja tão firmemente presente neles.

A Bhagavad-gita é considerada por muitos como a mais importante obra religiosa da Índia. Nela, dharma é peça chave, sendo literalmente a primeira palavra falada e presente de começo ao fim do texto. O verso 3.35, por exemplo, usa a palavra dharma quatro vezes. Significativamente, Krishna explica que Sua descida (avatar) ao mundo tem por propósito reestabelecer o dharma e eliminar o adharma, que é a ação contrária ao dharma. Se fosse para resumir toda a mensagem da Bhagavad-gita em poucas palavras, poderíamos dizer que é “pratique seu dharma como uma oferenda devotada a Deus”.

O Tirukkuṟaḷ, alguns especulam, propositalmente evita a palavra dharma, em silenciosa objeção à sua natureza fluída, que se ajusta de acordo com a pessoa e sua situação, preferindo o uso do termo aram, traduzido como justiça. Em sua definição, aram é um termo absoluto, válido para todos e não sujeito a interpretações. Porém, a definição de aram contida no verso 34, “A justiça nada mais é do que a ausência de malícia, ganância, raiva e palavras amargas”, representa apenas uma parte do conceito do dharma.

Devemos lembrar que no contexto social da Índia dos últimos milênios, o sistema opressivo das castas era falsamente fundamentado no conceito do dharma. Ou seja, uma pessoa nascida em certa família tinha por obrigação ter a mesma natureza que seus pais. Na Bhagavad-gita, Krishna anula este conceito preconceituoso, ao explicar cada varna de acordo com a natureza psicofísica indivídual, e nunca pela natureza de seus pais.

Ao proclamar a importância de aram, o Tirukkuṟaḷ está seguindo o mesmo caminho dos grandes textos sagrados do mundo inteiro, estimulando as pessoas a serem o melhor de si mesmas. Eu argumentaria que o conceito do dharma é superior ao conceito de aram, ou mesmo ao conceito de moralidade e bom comportamento da Bíblia, entre outros textos, justamente por enfatizar a natureza fluída e complexa da vida.

Simplesmente eliminar “malícia, ganância, raiva e palavras amargas” de sua vida não basta. Podemos imaginar inúmeras situações tanto na nossa vida privada como na história da humanidade onde apenas eliminar “malícia, ganância, raiva e palavras amargas” teria implicado em graves falhas, consequências desastrosas e sofrimento. Eliminar o negativo não é suficiente. Precisamos ativamente buscar entender, em qualquer circunstância, qual ação iluminada a vida nos pede. Para que eu seja a melhor versão de mim, não basta eu me policiar contra minhas más ações, mas também buscar ativamente cumprir meu dever, viver meu propósito e servir da melhor forma possível de acordo com minha natureza.

Um ponto interessante é analisar os purushartas, ou os quatro grandes objetivos da vida humana estabelecidos nos textos sagrados da Índia. Eles seguem a seguinte sequência: 1) dharma, 2) artha, 3) kama e 4) moksha.

Em primeiro lugar vem o dharma, porque entende-se que sem dharma a vida seria um desastre: o indivíduo iria agir mal e causar danos a si mesmo e os demais, não podendo obter uma posição duradoura nos demais objetivos.

O segundo é artha, desenvolvimento econômico ou riqueza. Ao cumprir o dharma e fazer o melhor de si de acordo com sua natureza, o indivíduo estará naturalmente maximizando seu potencial de riqueza. Isso não quer dizer que se tornará um milionário, mas sim que está extraindo o melhor possível da situação em que se encontra. Podemos observar que os países onde o dharma é levado mais a sério, ou seja, onde as pessoas procuram cumprir seus deveres, respeitam os demais e valorizam as leis (outra tradução para dharma), são países mais economicamente fortes. Por outro lado, países onde vigoram a corrupção, a desconsideração pelas leis e a cultura do “cada um por si” costumam ter economias mais fracas.

O terceiro objetivo é kama ou prazer sensual. Com desenvolvimento econômico fica naturalmente mais fácil curtir a vida, se divertir e ter momentos dedicados ao bom viver.

O quarto é moksha, liberação. Como pode moksha vir depois de kama? A ideia é que toda pessoa sóbria poderá perceber que os prazeres sensoriais não preenchem o coração. Enquanto estamos sofrendo, a ideia de ter prazer, conforto, etc. parece ser tudo que queremos. Infelizmente, boa parte do mundo está presa nessa ilusão. Mas ao ter acesso amplo a kama, chega-se ao momento crucial da compreensão de que que toda riqueza e conforto não bastam e precisamos algo mais. Daí surge o desejo natural pela liberação espiritual. O despertar da alma é aquilo que nos levará a moksha.

Podemos entender, portanto, que a base dos purusharthas é o dharma. Ao negligenciar o dharma, a pessoa começará a perder artha, kama e, certamente, moksha. O processo não é imediato, mas funciona dentro da escala de tempo provida pela lei do carma.

A lei do carma é totalmente centrada no conceito do dharma. De fato, carma nada mais é que uma reação ao grau dhármico da ação cometida. A lei do carma é um sistema embutido na vida material, inevitável e insuperável para os seres encarnados, que serve para treinar todo ser vivo a ser mais dhármico. Nesse sistema, vale ressaltar, só se acumula carma nas vidas onde a alma tem consciência a nível humano, similar ou superior, na qual há suficiente livre arbítrio e condição de avaliar a qualidade de suas escolhas e ações. Outros seres encarnados em vidas com consciência inferior estão apenas resgatando seus carmas acumulados em outras vidas.

As ações alinhadas com o dharma geram uma reação cármica positiva futura em termos de artha e kama. Já as contrárias ao dharma, ou seja, o adharma, geram reações cármicas negativas, na forma de sofrimento ou escassez de artha e kama.

Enquanto que a espiritualidade é opcional, o dharma não é negociável. A lei do carma não interfere em nada na vida espiritual e na busca por moksha, assim como escolher o caminho da autorrealização não irá interferir no carma. Diferente do ensinado nas tradições abraâmicas, a tradição do yoga afirma não haver consequência material negativa ou carma ruim por escolher ser ateísta ou por ter fé nessa ou naquela entidade. Suas ações motivadas por suas crenças, sim. Mas a fé, acreditar nisso ou naquilo, não tem impacto. Ninguém vai para o inferno por deixar de escolher o caminho devocional. O que existe é a perda de oportunidade e, muito provavelmente, a falta da compreensão do que seria o comportamento  ou dharma corretos. O dharma, sim, está sempre valendo, e não há como escapar das reações de seguir ou não o dharma, até que se consiga moksha.

Qualquer humano, em qualquer momento, porém, pode se dedicar à espiritualidade, buscar moksha. Essa prática espiritual é considerada a forma última do dharma e recebe o nome de sanatana dharma, ou dharma eterno. Como dharma significa a melhor ação de acordo com sua essência, a essência última e eterna é ser uma alma transcendental eterna. Por isso, buscar a vida espiritual e seguir o caminho do yoga, é praticar o “dharma néctar ou dharma eterno” (dharmamrta, na linguagem da Bhagavad-gita, verso 12.20).

São quatro os pilares que guiam a aplicação do dharma em nossa vida, em nossas ações e em nosso planejamento: tapas, saucam, daya e satyam.

Tapas é um termo complexo que carece de uma boa tradução em uma única palavra. O princípio mais importante de tapas é justamente a capacidade de escolher seguir o dharma, fazer o correto e cumprir o dever, em oposição a fazer o que é mais fácil, conveniente ou imediatamente mais prazeroso e cômodo. Outro aspecto importante de tapas é a determinação em agir, no sentido de aplicar esforço não se intimidando pelos obstáculos no cumprimento da melhor versão de si mesmo.

Saucam é pureza ou limpeza. É ser puro e limpo em termos práticos, na maneira de agir, falar e pensar. Isto inclui higiene, manter corpo e casa limpos, evitar o uso de linguajar chulo, evitar alimentos impuros como cadáveres, como também manter organização dos espaços e coisas.

Daya é compaixão. No Mahabharata, é dito que ahimsa (não-violência) é a mãe de todos os dharmas. O conceito é lindo e simples: minimizar a dor e sofrimento no mundo.

Satyam é veracidade. Em satyam, não só não mentimos, mas também evitamos a falsidade no comportamento. Evitamos viver uma vida falsa ou fazer planos baseados em um falso conceito de quem somos. Queremos falar a verdade e ver a realidade como verdadeiramente é.

Ao proclamar o poder do dharma, os textos sagrados da Índia objetivam construir uma sociedade melhor e mostrar o caminho para uma vida mais completa para quem o segue, baseado em princípios universais e compreensivelmente nobres, válidos por toda eternidade. Que todos possam, portanto, tirar proveito da vasta literatura sagrada da Índia para encontrar seu caminho e curar este mundo tão sofrido.

São tantos caminhos espirituais, por que escolher UM único?

São tantos caminhos espirituais, por que escolher UM único?

AS 3 FASES DA BUSCA ESPIRITUAL

Após vários anos guiando pessoas no caminho do yoga, uma questão recorrente tem surgido por parte de meus alunos: ” Dentre tantos caminhos para seguir, preciso mesmo escolher um só?”

A resposta direta é: “Sim, precisamos escolher um caminho, UM SÓ CAMINHO. Diferentes caminhos têm diferentes objetivos com diferentes prioridades e com diferentes técnicas”.

O que iremos explanar aqui é: a) por que é necessário escolher um caminho; b) o que acontece quando deixamos de escolher um único caminho,; c) porque no início algumas pessoas têm a inclinação natural de não querer escolher.

Falaremos ainda sobre uma linhagem espiritual da Índia que APARENTA dizer que se pode seguir todos os caminhos, mas que na realidade não está!

A evolução no caminho da busca espiritual costuma ocorrer em 3 fases. O entendimento destas fases nos ajudará a compreender melhor como lidar com a variedade de caminhos.

1ª) FASE BUSCADOR

A busca por um caminho espiritual ocorre quando algo especial desperta nosso desejo de ir mais fundo. Esse algo especial vem da inquietação e da necessidade de descobrir quem realmente somos, de onde viemos, para onde vamos e o que estamos fazendo aqui. Queremos entender a vida, o sentido de existir e nosso propósito nisso tudo. Ou seja, nossa consciência já está despertando e isso é INCRÍVEL!

A maioria das pessoas passa a vida focada em realizações materiais, em busca de relacionamentos, status, ostentações, etc. O problema é que uma hora isso não bastará, não mais irá preencher o coração e uma sensação de vazio, frustração e certa falta de realização vai falar mais alto. O que seria isso que está faltando? O que falta, é justamente a consciência que não somos somente esse corpo material, que somos algo mais.

A partir dessa abertura de consciência e da possibilidade de expandir horizontes, surge uma euforia natural e merecida. Queremos conhecer e experimentar tudo e olhamos para todos os lados. Uma semana estamos estudando uma determinada religião, na outra praticamos uma meditação budista, depois fazemos um kirtan para Krishna, em seguida fazemos um passe no centro espírita, uma oferenda a Iemanjá, temos cristais para combater energias ruins e tudo é lindo.

E é lindo mesmo! Tudo que estimula e eleva a consciência, que nos leva para o bem, que parece estar nos purificando, falando ao nosso coração… é maravilhoso! Estávamos em uma caverna escura e de repente saímos. É muita luz, muita novidade.

Chegamos então a uma conclusão PREMATURA: tudo é bom. “Vou aceitar todos esses caminhos e todos os mestres. Não sou como essas pessoas limitadas que aceitam apenas um caminho. Elas estão perdendo tanto, pois vejo tanta coisa linda para todo lado.”

O problema é que somos uma única pessoa. E os verdadeiros preceptores de cada um desses caminhos não estão lhe pedindo para aceitar um pouco de tudo. Cada um deles está seguindo e ensinando apenas um caminho. 

Ao tentar seguir vários caminhos, a pessoa de fato não está seguindo caminho nenhum, mas sim INVENTANDO um novo caminho só seu, o que é um ato no mínimo temerário. Inconscientemente, ao fazer isso, o buscador está dizendo: “Jesus não acertou, Krishna não sabe tudo, Buda se confundiu… eu agora sei o que é melhor! Vou juntar um pouco disso e um pouco daquilo e chegarei na perfeição espiritual.”

Ao aceitar todos os caminhos, o seguidor na verdade rejeita todos os caminhos e escolhe a si mesmo acima de todos.

Vou explicar agora porque tão facilmente aceitamos essa visão.

Um conceito comum em todos os caminhos autênticos é o que nos Vedas é chamado de DHARMA. Dharma é o caminho da luz. É usar o livre-arbítrio para ser a melhor pessoa que podemos. O tema do dharma é amplo, mas apenas para termos um vislumbre, basta dizer que os quatro pilares do dharma são: veracidade, compaixão, pureza e determinação.

Diferentes caminhos podem ter diferentes objetivos, práticas e conceitos. Mas sem dharma, não é possível haver avanço. O dharma é brilhante e transformador. É o segredo para organizar a vida e expandir a consciência. Todos os grandes caminhos colocam grande ênfase no dharma.

O dharma é tão luminoso que não é incomum que o buscador nesta primeira fase não consiga enxergar além, para os detalhes mais finos da espiritualidade. Questionamentos sobre a importância de entender Deus, seus aspectos, impersonalismo versus personalismo, etc. parecem inconsequentes, desimportantes e triviais. “Krishna, Rama, Jesus… o que importa?”, pensa a pessoa. “É tudo igual. Quem pensa que há diferença ainda não expandiu a mente como eu. Deus é amor, e isto basta. Detalhes adicionais sobre Deus são irrelevantes.”

A ideia que todos os caminhos levam a Deus é categoricamente errada. Muitos caminhos, mesmo dentro da tradição indiana, não levam a Deus. Eles possuem outros objetivos específicos. E mesmo dentre os caminhos abertamente teístas, há importantes diferenças de visão sobre a natureza de Deus e do processo para se chegar até Ele.

Quem Deus é realmente importa! Como Deus se comporta, como é Sua morada, como será minha eternidade com Ele são questões de crucial importância. Mas, no início, o brilho do dharma encontrado em todos os caminhos e a euforia de estar “saindo da caverna”, leva à conclusão prematura que tais questões são supérfluas.

ALERTA: A maioria das pessoas fica presa na fase 1!

Mas, espere, alguns podem dizer. “Eu conheço grandes mestres que aceitam vários caminhos!”, sendo Yogananda um dos exemplos mais citados. Mas este é um engano comum, pois a coisa não é exatamente assim.

Neste ponto é necessário explicar um importante “detalhe”, mas que de fato é um ponto central, que é a questão do impersonalismo versus personalismo.

Mestres como Yogananda, Krishnamurti e vários outros pertencem a uma linha de pensamento chamada de “impersonalismo”. Mais precisamente, eles são seguidores dos conceitos de Advaita Vedanta, propagados pelo famoso mestre do século VIII, Shankaracharya (em português se escreve também Xancara, pois essa é pronúncia).

O impersonalismo requer um estudo aprofundado, principalmente por ser bastante diferente daquilo que estamos acostumados a ver nas tradições religiosas mais comuns no Ocidente, como o cristianismo. Mas é uma linha de pensamento bastante difundida, que permeia a tradição e história da Índia. Ela é encontrada em muitas linhas do yoga e é o princípio comum do Hinduísmo como um todo.

De fato, ela se tornou assim tão popular, justamente pela “criação” do hinduísmo moderno, que teve ativa participação de Yogananda.

No final do século XIX, os Ingleses estavam tentando ativamente desmantelar a cultura e religião indiana para substitui-las pelo cristianismo e cultura inglesa. Imperialismo cultural da pesada.

Na Índia, desde a antiguidade remota, diversos caminhos religiosos e conceitos espirituais coexistiram pacificamente lado a lado, aceitando que diferentes pessoas estão prontas para diferentes caminhos, com diferentes objetivos. Afinal, somos seres eternos e podemos encarnar ilimitadas vezes. Por isso, se errarmos na escolha do caminho espiritual, ou mesmo não seguir caminho espiritual algum, sempre haverá uma nova chance em alguma outra vida.

Sob a ameaça do imperialismo britânico, munido com o poder da Revolução Industrial, a elite indiana sentiu que era necessário juntar forças e apresentar uma única bandeira, como forma de resistência unida aos ingleses. Eles então acharam útil e necessário dar ênfase ao caminho impersonalista, como que dizendo, “olhe, nós temos uma religião aqui e não queremos abrir mão dela”, apesar de, na verdade, existirem inúmeras religiões e caminhos distintos.

Bem, agora que entendemos porque se tornou necessário levantar a bandeira do impersonalismo, podemos falar um pouco do que trata este caminho e por que ele parece apoiar a ideia que podemos seguir todos os caminhos ao mesmo tempo.

O conceito impersonalista é que por trás e acima de tudo, a única coisa que realmente existe é algo chamado “brahman”, que é melhor traduzido como “transcendência”, mas pode ser traduzido, usando aspectos de nossa cultura ocidental, como “luz de Deus”, “Deus”, “espírito”, “brilho divino”, etc.

Neste caminho, Deus, alma, Jesus, Krishna, seja o que for, ou quem for, não é o aspecto último da realidade. Na verdade, eles acreditam que tudo isso são meras manifestações, ilusões na verdade, da energia transcendente, o brahman. Brahman é uma energia indiferenciada, indivisível e transcendente. Toda e qualquer individualidade, forma ou conceito que possa existir, é uma ilusão, um fragmento dessa realidade última.

A analogia que é frequentemente utilizada por eles é que somos como um pequeno pote contendo água do mar. Quando atingimos a realização espiritual, o pote se quebrará e seu conteúdo, nossa sensação de existir, irá embora e se fundirá no oceano deixando, portanto, de existir. Ou, melhor dizendo, nunca existiu e, apenas por ilusão, achávamos que existia.

Mas não para por aí. Neste conceito, Deus, tampouco, existe eternamente. Não há Deus, não existe uma morada eterna de Deus, não tem você, nem eu. Só há o brahman. É uma filosofia, na verdade, ateísta. Deus não existe. Só existe essa energia transcendental última, o brahman.

O que torna as coisas confusas é que os mestres que trouxeram esta tradição para o ocidente não a apresentaram tão claramente e, ao traduzir a doutrina para os idiomas ocidentais, utilizaram termos do vocabulário religioso cristão, como Deus, devoção e amor.

Eles até estimulam a devoção sem, no entanto, acreditar que o devoto vá juntar-se eternamente a Deus em Seu reino, como praticamente todos os religiosos ocidentais acreditam, como os devotos de Krishna acreditam e como eu ensino aqui. Para eles, a devoção é apenas um meio para elevar a consciência ao nível de então entender que Deus e alma realmente não existem.

Ufa! Esta explicação, ainda que breve e incompleta, objetiva entendermos que a filosofia impersonalista aparenta aceitar tudo, estimulando devoção a Jesus, Krishna, Iemanjá ou um cristal – como quiser! –, mas que na verdade está rejeitando todos esses caminhos e levando seus seguidores para seu caminho específico de se fundir no brahman.

Infelizmente, o buscador desta primeira fase, que justamente está começando e está achando tudo lindo, pode facilmente confundir-se com esta linguagem e acabar se dedicando a um caminho ateísta, sem saber. Achando que está escolhendo um caminho devocional e fazendo algo que vai aproximá-lo de Deus, ele ou ela está, na verdade, fechando as portas, deixando de escolher um caminho verdadeiramente devocional, cujos mestres estão realmente em comunhão amorosa eterna com Deus.

Para nós, devoção não é um meio, mas sim o aspecto mais elevado da espiritualidade. É o caminho do amor eterno. O Caminho 3T segue essa linha devocional, com o objetivo último de viver em eterno serviço e amor a Deus, no reino de Deus, como praticamente todo cristão, muçulmano e judeu almeja. Isso porque entendemos que o objetivo da vida humana é o yoga (conexão) com Deus, que foi perdido justamente pela curiosidade da alma em ver como seria a vida sem Deus.

Portanto, cuidado com essa armadilha de aceitar esses mestres que dizem aceitar tudo. Quem diz isso está no caminho impersonalista e está fazendo um jogo de palavras. Está usando palavras como Deus, devoção e alma, mas sem deixar claro que acham que tudo isso é passageiro e ilusório.

Ao escolher o caminho deles, você de fato não está escolhendo seguir tudo, mas sim seguir o específico caminho deles. E nesse caminho você está escolhendo não buscar essa vida eterna com Deus, mas sim achando que pode deixar de existir como alma individual, achando que poderá se fundir no brahman.

Eu digo aqui “armadilha” não no sentido pejorativo. Se você conscientemente desejar o caminho impersonalista, se fundir, deixar de existir, não aceitar Deus como existente etc., você pode! Se alguém escolhe este caminho consciente do que se trata, eu respeito inteiramente. Eu pessoalmente tenho certeza de que esse caminho não é o melhor. Mas, como falei, somos eternos e Deus realmente existe, então, seja nesta ou em outra vida, o buscador terá a oportunidade de completar sua busca espiritual com verdadeira devoção e comunhão com Deus.

O termo “armadilha” aqui é no sentido de achar que é outra coisa. De parecer que está alinhado com essa tendência imatura da primeira fase do buscador, de achar tudo lindo e querer aceitar tudo.

O ponto é que nunca se pode aceitar tudo. Só podemos aceitar um caminho. Devemos, assim, depois de nossa busca inicial, escolher um único caminho.

2ª) FASE SÉRIA

Nesta fase, olhamos ao redor e podemos identificar um mestre, um caminho que melhor responde às dúvidas, que não apresenta falhas, que nos parece ter mais autenticidade, em que podemos mais confiar. O buscador começa a direcionar o seu foco. A empolgação inicial se solidifica em um compromisso sério. Amadurecemos.

Uma comparação simples: Existem muitos homens e mulheres, mas vou me casar com um ou uma. Se quiser ficar com todos ou todas, não ficarei com ninguém.

DEDICAÇÃO TOTAL. Nessa fase, o buscador pausa as múltiplas pesquisas e agora se aprofunda, estreita o foco, vai fundo, num único caminho, sob a guia de um único mestre espiritual.

A elevação da consciência é algo real. Ao seguir seriamente, você não será a mesma pessoa. Você enxergará a vida de forma diferente, sua percepção mudará. Sua forma de enxergar o mundo não será a mesma depois de, com seriedade, avançar espiritualmente.

Isso requer estudo, prática e dedicação. Não é simples, mas o resultado é MARAVILHOSO!

E se der errado? E se eu tiver escolhido errado? Não se preocupe! Nunca há perda nesse caminho. Se após se aprofundar em um único caminho, você perceber que não é isso que lhe preenche (pode acontecer!), volte à fase anterior. Pesquise mais, amplie sua gama de visão para encontrar um outro caminho.

Ou talvez baste apenas encontrar um outro mestre dentro do mesmo caminho, um que melhor atenda às suas necessidades, que lhe dê o apoio que você precisa e responda as dúvidas que não foram antes sanadas.

Tenho muitos alunos que foram evangélicos ferrenhos, espíritas dedicados, budistas por longos anos, ou discípulos de mestres de caminhos impersonalistas. Foram fundo, viram que algo lhes faltava e agora estão avançando novamente com o Caminho 3T.

Falamos no início desta seção da comparação com o casamento. Você precisa ter total dedicação ao iniciar o casamento. Faz votos, escolheu, vai fundo. Mas se mais tarde perceber que não deu certo, pode buscar o divórcio e se casar novamente, agora com mais sabedoria, mais experiência. É assim.

Portanto, sem medo, mergulhe fundo e com compromisso, com dedicação total e exclusiva.

3ª) FASE LIBERADA

Após muitos anos de dedicação exclusiva no caminho escolhido, normalmente décadas, um bom discípulo ou discípula, chegará ao ponto de ver a realidade claramente, EXPERIMENTANDO a realidade, vivendo diretamente tudo que lhe foi passado. Neste ponto, pode novamente ampliar os estudos. Uma vez firmes em nossas práticas, certos de nossas prioridades, tendo obtido o sucesso com elas, podemos ver tudo e todos, conhecer os outros caminhos e ouvir outros mestres.

Faremos isso não no intuito de segui-los, mas para apreciar a beleza do todo e aumentar nossa experiência. Poderemos realçar e aprimorar detalhes de nossas práticas inspirando-nos pelos outros.

Ficamos como a abelha que consegue colher o néctar de todo tipo de flor. Seremos capazes de apreciar tudo, sem nos perdemos ou nos confundirmos.

Esta é a fase iluminada. Neste ponto, o antes buscador não mais necessita buscar. Já encontrou e sabe que encontrou. Ele agora poderá entregar a tradição que escolheu para outros. Agora o discípulo se tornou também um mestre.

Espero que o que aqui compartilhei lhe ajude a entender a pergunta inicial e que você se sinta inspirado ou inspirada a fazer sua escolha e se aprofundar seriamente em um único caminho.

Links para aprofundamento:

Nesse vídeo eu explico o tema abordado nesse texto:

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Nesse vídeo eu explico o conceito básico do Dharma:

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Nesse link você poderá entender um pouco mais sobre as falhas no conceito impersonalista.

Nesse vídeo eu explico o poder e necessidade de ter um mestre espiritual:

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