Aqui vou explicar por que você deve ter um altar em casa, o que muda quando tem um altar, como você pode montar seu altar, as atividades diárias que deve realizar com seu altar e como oferecer seus alimentos para transformá-los em prasadam.
Por que montar um altar?
O conceito básico do caminho do yoga é tornar sua vida transcendental, ou, espiritualizar sua vida. O objetivo é espiritualizar sua vida toda, não apenas acrescentar uma prática religiosa ao dia, mas transformar sua existência, sua consciência, de volta ao seu estado natural que é puramente transcendente e cheio de amor.
Um dos ensinamentos básicos do yoga é que Deus está presente em nosso coração. Essa forma de Deus é chamada de Paramatma, ou literalmente traduzido, Superalma. Ao lado de seu “eu”, você alma, está a Superalma, em seu corpo. Seu corpo é, portanto, um templo de Deus com a presença viva e ativa de Deus.
Com isso, não é necessário visitar qualquer templo ou ter um altar em casa, pois você já está morando num templo: seu corpo.
Porém, estamos aqui no processo de recuperação espiritual e nosso maior desafio é nossa mente inconstante e distraída. Para tanto, precisamos de toda ajuda possível para manter nossa mente no caminho do yoga, lembrando de nossa conexão com Deus e a presença de Deus em tudo e todos.
Nesse sentido, ter um altar em casa é uma ferramenta poderosa. Em primeiro lugar, estaremos consagrando, tornando sagrado, nosso lar. Em segundo lugar, estamos criando uma ponte para o divino, um canal aberto, fácil de ver, impossível de ignorar, bem onde moramos. Isso trará nossa mente de volta a Deus mais vezes, mais facilmente.
O que muda quando eu tenho um altar?
O conceito é que uma vez que você criou a intenção e convidou Deus a ficar em seu altar, Ele, por amor a você e para lhe ajudar, aceita vir e se manifestar ali, presente e visível, numa forma feita de Sua energia material.
Eu falo mais sobre o conceito da Deidade aqui: https://giridhari.com.br/a-deidade/.
Assim, considere que, apesar de Deus estar em tudo e todos, Ele estará diretamente presente ali em seu altar. Deixe sua consciência absorver esse fato: Deus está diante de você. Deixe seu coração sentir essa presença, fluindo em amor, Krishna-prema.
Como montar meu altar?
Seu altar deve ficar idealmente na sua sala, ou num escritório. Não deve ficar num espaço externo, sujeito aos elementos, nem no quarto. Pense num convidado especial. Uma pessoa importante. Onde você vai receber essa pessoa em sua casa? É lá que queremos receber Deus.
O altar precisa de pouco espaço, portanto pode ocupar uma parte de uma estante, ou ser colocado em uma pequena mesa.
Ou, se tiver como, você pode fazer um móvel especial para seu altar. Eu fiz o meu atual focado no Bhagavata Purana, que é considerado a encarnação literária de Krishna. Tem o livro em Português em cima e Inglês em baixo. E a parte de cima serve de altar.
O foco de seu altar no Caminho 3T é Radha-Krishna, o Casal Divino.
O jeito mais fácil de montar seu altar é usando uma linda imagem de Radha-Krishna em um belo porta retrato. Na Internet você encontrará lindas imagens, mas lembre-se de buscar imagens de alta resolução. Pode escolher a que mais toca seu coração e imprimir naqueles sites ou lojas que imprimem fotos, com papel e impressoras especializadas, assim garantindo um acabamento perfeito.
Se não conseguir achar uma imagem, deixo aqui uma arte tradicional linda, que servirá bem. E, claro, hoje em dia, cada vez mais, pode usar os recuros de criação de imagens de inteligência artificial. Esses sistemas já conseguem fazer imagens de Krishna bem lindas.
Outra opção é encontrar estátuas de Radha-Krishna.
Uma opção que achei bem atraente é desse artista devoto na Índia: https://www.instagram.com/p/Ct88cTfNQH3/.
Ao colocar uma estátua, se não vier já com uma base, lembre-se de elevar um pouco, acima da estante ou mesa, como fiz com minha Deidade de Sri Yoga-Nrsimha.
Não chegamos em Radha-Krishna do nada. Nossos olhos se abrem, nosso caminho se revela, com a ajuda do guru. Assim, é tradição que no altar também colocamos o guru, na forma de foto ou pequena estátua. No meu altar tenho um porta-retrato de meu guru, Srila Acharyadeva, e também uma estátua de Swami Prabhupada, pois grande parte de meu aprendizado se deu por seus livros.
Repare que cada porta-retrato ou estátua no altar deve ter um copinho de água.
Foco é importante. No seu altar não deve ter nada de outras religiões e tradições, como estátuas de Jesus, Maria ou Buda. Se achar que precisa ter ainda por não compreender a natureza de Krishna como a fonte de tudo e todos e o aspecto mais elevado de Deus, então mantenha em outro local.
Mas, fique à vontade para decorar o altar. Em altares com Radha-Krishna é tradicional adicionar pavões e vacas, devido a conexão das atividades de Krishna com esses dois animais. Mas você pode adicionar cristais e outras decorações de seu gosto que considere apropriadas.
Atividades diárias diante do altar
Você deve acordar, tomar banho e se apresentar diante do altar, prestando reverências, tocando a cabeça no chão. Ofereça orações de seu coração, peça proteção, abrigo e as bençãos de Deus. Peça que Deus lhe ocupe em Seu serviço, que faça de você um instrumento para Sua vontade. Peça força e clareza mental para ficar firme no dharma, sempre em bhakti, no aqui e agora.
Em seguida, tire o pó do altar passando um papel toalha ligeiramente húmido para limpar tudo.
Troque a água dos copinhos. Essa água é prasadam. Coloque algumas de suas gotas em sua cabeça e na cabeça de outros, incluindo os pets, ou em plantas. Todos que entrarem em contato com essa água serão abençoados. Em seguida, enche os copinhos novamente. Ao colocar os copinhos no altar, mentalize ou murmure a oração, “que o Senhor fique satisfeito com essa água”.
Tire a flor antiga. Agora essa flor é prasadam. Agora você pode cheirar a flor e oferecer a outros para cheirarem a flor. Todos que cheirarem essa flor serão abençoados. Ofereça a nova flor do dia. Lembre-se que é essencial que essa flor não foi cheirada por alguém. Não oferecemos a Deus os restos dos outros. Primeiro Deus. Ao colocar a flor no altar, mentalize ou murmure a oração, “que o Senhor fique satisfeito com essa flor”.
Incenso não é saudável. Não devemos usar incenso diariamente, pois fere nossa saúde. Mas se ainda usar, ofereça primeiro no altar, e deixe queimando perto do altar. Quando terminar, limpe as cinzas, e jogue fora o palito do incenso queimado.
Tente fazer pelo menos parte de sua prática de japa diante do altar. Para tanto, tenha um conjunto de colchão e almofada para meditação. Aqui o que eu uso.
No final do dia, faça novas orações, com foco em rever seu dia e oferecer, mesmo que novamente, as atividades do dia, os dharmas cumpridos, a Deus. Lembrando que tudo que fez no dharma foi para o prazer de Deus. E onde errou, fugiu do dharma, peça perdão e ajuda para não mais errar. Se despeça de Deus, pedindo Suas bençãos para que possa cumprir seu dharma de dormir bem para Ele.
O altar lhe ajuda a lembrar que essa é sua vida em yoga, um ciclo abençoado de 24 horas: começa o dia com Deus, suas atividades durante o dia são para Deus, e você termina o dia com Deus, indo dormir como seu dharma natural em oferenda a Deus.
Escute seu coração. Sinta-se à vontade acrescentando práticas e criando seus horários. Por exemplo, eu canto e toco meu harmônio, o mantra Hare Krishna e em seguida o mantra de Sri Nrsimhadeva (namastê narasimhaya…), por volta de 5 ou 6 da tarde, todos os dias, como parte de meu programa diário. Você pode também aprender a cantar mantras, tocando harmônio, violão ou outro instrumento, ou apenas reproduzir uma gravação e acompanhar.
Oferecer alimentos a Deus
Ofereça com amor. O Sentimento é que importa. Os yogis seguem a instrução de Krishna e comem somente prasadam, ou seja, alimentos que foram primeiros oferecidos em amor a Ele. Não há regras ou regulações específica, pois o que importa é o amor (bhakti), é a conexão (yoga).
Tradicionalmente, pequenos pratos e copos são usados exclusivamente para oferecer alimentos no altar. Um pouco de cada tipo de alimento preparado e bebida a ser consumida é colocado nos pratos e copos. A bandeja com eles é colocada diante do altar e oferecida com amor, acompanhado de mantras e orações. Pode ser apenas o mantra Hare Krishna e oração “que o Senhor fique satisfeito com essa oferenda”.
Aqui eu levando oferendas para o altar no Paraíso dos Pândavas.
Depois a comida é colocada novamente junto com os preparos, o suco colocado na jarra, o preparo na panela, etc. Ou algumas vezes, servida à parte.
Fazer isso em casa é muito bom, usando seu altar para isso.
Mas, se isso for tudo muito complicado e você não sentir que está pronto para isso, ou sentir que já está em suficiente união com Deus para não fazer isso, pode pular esse procedimento e oferecer o alimento apenas mentalmente, direto da cozinha, diante da panela, do suco feito, do produto aberto, etc. Ou, se estiver comendo fora, diretamente de seu prato e copo antes de começar a comer.
Porque, de novo, o que importa é o sentimento. O amor.
Se ainda não for 100% vegetariano, tudo bem! Ofereça aquilo que é vegetariano da forma acima descrita. Para mais dicas, veja esse vídeo:
Disciplina da rotina
Uma das formas que o altar lhe ajuda é em manter disciplina e constância, atributos de sattva-guna.
A rotina diária com o altar é um poderoso exercício em constância e foco, criando a estrutura espiritual e devocional de seu dia.
Lute contra a influência de tama-guna, que vai querer lhe convencer a não cuidar do altar devido a preguiça ou a influência de raja-guna, que vai querer lhe convencer que só hoje você não tem tempo.
Sua espiritualidade é prioritária. Portanto, você criará tempo e certamente não cairá vítima da preguiça. Cada vez que você derrotar tamas e rajas assim, você se fortalece.
Simplicidade
O que estou explicando acima é a forma que eu pratico hoje. Foco no sentimento, na conexão, no amor. Mas em realidade a adoração a Deidades pode ser bem complicada e requintada.
Por exemplo, durante décadas eu adorei minhas Deidades, tanto em casa como no Paraíso dos Pândavas, usando esse método, considerado simplificado: https://giridhari.com.br/ensinamentos/cerimonia-de-arati-regras-basicas-para-adorar-a-deidade/. E claro, nos templos, é muito mais sofisticado, com 7, 8 ou 9 oferendas diárias, de 3h30 da manhã até as 10 da noite, guirlandas feitas diariamente, troca de roupas e joias, múltiplas refeições feitas somente para as Deidades, etc. Times de sacerdotes, chamados pujaris, passam horas por dias dedicados a um altar com duas ou três Deidades assim.
Existe também uma prática um pouco mais esotérica, chamada de adoração de salagram sila, onde uma pedra sagrada considerada não-diferente de Krishna, é adorada. Esse tipo de pedra só é encontrado no Rio Gandaki, no Nepal. Na verdade, não são pedras, mas fósseis de amonite, onde diferentes marcas e cores, indicam diferentes avataras. Tem toda uma história milenar de como isso se deu. A adoração requer cerca de uma hora de cuidados diários.
Diferentes pessoas têm diferentes inclinações. E tem pessoas que amam esse tipo de prática devocional, onde entram em meditação ativa na prática. Eu aprendi com meu mestre espiritual a fazer a forma simples. Meu mestre espiritual apenas tem os quadros na parede, fotos de Deidades de Radha-Krishna de templos, e senta diante deles e canta e presta suas reverências. Ele nem mesmo oferece água ou flores.
O que faço hoje, e passo aqui para meus alunos, eu considero ser simples bastante para ser acessível e passível de ser praticado diariamente por qualquer um, e ao mesmo tempo com demandas diárias suficientes para exigir foco e atenção direcionados a Krishna.
Essa prática certamente trará muitas bênçãos e realizações em sua vida espiritual.
Para os que estão curiosos sobre meu altar em específico, acrescento aqui essa pergunta e resposta:
Giridhari, por que tem Sri Nrsimha no seu altar e não Radha-Krishna?
Eu comecei minha vida espiritual na ISKCON. Lá eles ensinam as pessoas a adorarem dois grande gurus medievais de nossa linhagem, Caitanya Mahaprabhu e Nityananda (conhecidos mais simplesmente como Gaura-Nitai), que eles acreditam serem encarnações de Radha-Krishna e Balarama respectivamente. Eles desaconselham as pessoas a adorarem em seus altares Radha-Krishna diretamente, acreditando que para isso você precisa ter um padrão muito sofisticado de adoração. Mesmo os templos da ISKCON são proibidos de terem Radha-Krishna se não tiverem uma grande equipe de sacerdotes (pujaris) para tal. Hoje, eu entendo que essa instrução é equivocada e cria obstáculos na conexão das pessoas com Radha-Krishna, por isso eu ensino meus alunos a criarem essa conexão direta desde o início. É isso que Krishna pede na Bhagavad-gita tão claramente.
Mas, na ISKCON, sempre houve a adoração também da forma de Deus como Nrsimha. Nrsimhadeva é um poderoso avatara da tradição. É a forma de Deus protetora, sendo uma avatara que apareceu só para salvar o Universo de um ser do mal muito poderoso, Hiranyakashipu, e, em especial, salvar um devoto muito importante, Prahlada Maharaja, de ser morto. A história e ensinamentos de Sri Nrsimha podem ser lidos no Bhagavata Purana (e ouvidos aqui: https://www.bhagavatapurana.com/audiobooks) e existem templos de Sri Nrsimha muito antigos espalhados pela Índia.
Eu desenvolvi uma forte conexão com Sri Nrsimhadeva e quando montei o Paraíso dos Pândavas, quando ainda estava na ISKCON, como não podia ter Radha-Krishna no altar, eu decidi ter Sri Nrsimhadeva. Pedi para meu querido amigo Gurusevananda, que na época estava na Índia, para procurar uma Deidade para mim. Pouco tempo depois ele achou essa Deidade tão especial, feito por um artista de Vrindávana. Uma Deidade de Yoga-Nrismha-Laskhmidevi-Sheshanaga. Yoga-Nrismha é uma forma tradicional de Nrsimha fazendo yoga, em meditação. Diferente de Sua outra forma tradicional, chamada de Ugra-Nrsimha, que é Ele bravo, lutando contra Hiranyakashipu para salvar Prahlada. Eu prefiro Ele calmo, combina mais comigo. Em Seu colo (parcialmente escondida aí na foto acima pela flor), está Lakshmi-devi, a Deusa da Fortuna, a forma feminina de Deus. E Nrismha está sentado e protegido pela outra forma famosa de Deus, Shesha-naga, que sempre está como assento de Deus, tanto que nos Yoga Sutras de Patanjali, é Shesha que é mencionado como exemplo de um asana (assento) perfeito.
Quando me mudei do Paraíso dos Pândavas, não tive dúvidas que Sri Nrsimha iria me acompanhar e por isso O adoro aqui todos os dias no meu altar. E, em cima do altar, como parte do altar, tenho um grande quadro com uma linda pintura de Radha-Krishna e as 8 gopis mais importantes. No meu coração, Sri Nrsimha ficou como foco de minha adoração formal, em respeito e submissão, e Radha-Krishna como foco de meus sentimentos devocionais amorosos e íntimos.