Iniciação

Por Giridhari Das

“Como faço para tomar iniciação?” Esta é uma pergunta frequente entre aqueles que estão despertando para a vida espiritual em consciência de Krishna. Em seus comentários, Srila Prabhupada enfatiza a importância de aceitar um guru e tomar iniciação. Então, é natural que aqueles que leem seus livros queiram saber mais sobre como tomar este passo. A resposta, porém, é ao mesmo tempo mais complicada e mais simples do que parece.

A resposta simples é: talvez você “já tenha sido iniciado”. Como assim? Em seu aspecto mais importante e prático, a “iniciação” para nossos adeptos significa literalmente que três coisas já aconteceram: 1) você escolheu a consciência de Krishna como o caminho que deseja seguir; 2) aceitou que as instruções sobre a vida espiritual dadas por Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, nosso principal guru –  e também daqueles devotos seguidores de Srila Prabhupada que vem lhe ajudando –  são fidedignas, ou seja, “dignas de sua fé e confiança” e; 3) você está adotando as práticas recomendadas. Caso você esteja interessado em iniciação e já esteja cumprindo estes três quesitos, saiba que você… já está iniciado!

A confusão surge pelo fato de haver um processo de iniciação formal, onde os adeptos recebem um nome em sânscrito, seguido da palavra “Das” ou “Dasi” (servo e serva, respectivamente). Mas esta iniciação é algo institucional, que obedece a normas criadas pela ISKCON, instituição fundada por Srila Prabhupada, à qual pertencemos (veja www.iskcon.com.br). Tais regras são criadas e podem ser alteradas pelo corpo administrativo máximo da instituição, conhecido como Governing Body Comission, ou o GBC. Este órgão determina quem pode ser um guru iniciador (ou diksha-guru) e quais os requisitos específicos para obter iniciação. Em termos simples, esta iniciação formal não significa o início da prática espiritual, mas sim uma oficialização ou uma confirmação da seriedade do praticante diante de Krishna, de seus gurus, da instituição e seus membros.

Em termos históricos, não existia anteriormente este tipo de “iniciação formal”. O buscador simplesmente encontrava um sábio devoto para lhe explicar o conhecimento e práticas, começava a praticar e – pronto, estava iniciado! No texto mais importante de nossa tradição, o Srimad Bhagavatam, o termo dikshaé utilizado apenas para quando um sacerdote iniciava alguém para fazer um ritual, ou seja, era algo usado para as cerimônias ritualísticas (ou sacrifícios) que hoje não mais praticamos. E mesmo na época do Senhor Chaitanya, há cerca de 500 anos atrás, vemos apenas alguns raros casos de mudança de nome para aqueles que iniciam suas práticas da consciência de Krishna. A maioria simplesmente aceitava as instruções, começava a cantar Hare Krishna e pronto, começa a sentir e praticar bhakti, ou devoção, por Krishna!

A iniciação formal sistemática, tal qual temos hoje na ISKCON, surgiu após a criação de instituições formais para a disseminação da Consciência de Krishna, a começar com Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Goswami Maharaja – o guru de Srila Prabhupada – no início do Século XX. Ao criar a ISKCON, Srila Prabhupada manteve este mesmo padrão.

Na ISKCON, Srila Prabhupada estabeleceu que, para ser iniciado, o devoto deveria fazer o voto de seguir quatro princípios e fazer 16 voltas diárias de japa. Os quatro princípios são: 1) não comer nenhum tipo de carne, peixe ou ovos; 2) não se intoxicar (isso inclui café, chá preto, cigarros e bebida); 3) não se envolver em jogos de azar, e 4) não praticar o sexo fora do casamento. Japa é a prática de meditação mântrica que realizamos diariamente. A expressão “16 voltas” refere-se a fazer 16 vezes as 108 contas que normalmente existem em um colar de meditação, chamado japa-mala, ou seja, entoar 1728 vezes por dia, sem falta, o mantra Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare / Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare.

Atualmente, em 2013, a instituição mantém as seguintes regras para a iniciação:

1) Somente pessoas selecionadas pelo GBC podem conceder iniciação. Eles são conhecidos como diksha-gurus.

2) Após estar seguindo os padrões de iniciação sem falhas durante seis meses, a pessoa pode então pedir abrigo a um guru para iniciação; antes disso, ela necessita cientizar a administração local de suas intenções e realizar com sucesso um exame padrão para verificar se ela entendeu de fato os pontos básicos sobre a filosofia e sobre o ato de iniciação.

3) Após o pedido de abrigo, a pessoa deve praticar os votos sem falhas durante outros seis meses, antes de ser iniciada.

4) Caso a pessoa mude de ideia e queira escolher outro guru, ela deverá aguardar outros seis meses antes de efetuar novo pedido de abrigo.

5) Para ser aceito para iniciação, é necessária uma recomendação por escrito da administração de onde a pessoa interessada em ser iniciada reside ou, no caso da pessoa morar em local isolado, a recomendação por escrito do Conselho Governamental Brasileiro (CGB). Um guru que concede iniciação sem observar estas regras fica sujeito a ações disciplinares por parte do GBC.

O que é um diksha-guru?  O que ele tem a ver com Srila Prabhupada? E quanto às pessoas que vem me ajudando em minha vida espiritual? Para compreender melhor estes pontos essenciais, veja meu ensaio “Melhor Entendendo a Ideia do Guru.

Existem alguns enganos e riscos sobre este tema de iniciação formal na ISKCON, tais como:

  1. a) Achar que só através da iniciação formal a pessoa pode se sentir ou ser “parte” do Movimento, como um integrante “de verdade”. Mas não é assim. Qualquer um que aceite Srila Prabhupada, pratique a consciência de Krishna e participe das atividades da instituição é um integrante de fato e merece todo o cuidado e apreciação.
  2. b) Pensar na iniciação por uma questão de orgulho mundano ou por desejar um nome espiritual. Neste caso, a pessoa esforça-se para seguir as práticas por um ano para obter a iniciação e logo depois desiste. Isso é um perigo, pois na iniciação fazemos votos sérios e vitalícios diante de Deus e Seus representantes. Assim, não devemos buscar iniciação sem a devida convicção e certeza que conseguiremos manter estes votos pelo resto da vida.

Na ISKCON há também uma segunda iniciação, chamada de “iniciação brahmínica”. Esta iniciação, semelhantemente à primeira, não é algo que historicamente faz parte do processo de autorrealização em yoga, mas que foi adotada após o advento das instituições missionárias da consciência de Krishna. Srila Prabhupada explica:

“Não é muito importante [a iniciação brahmínica]. Meu Guru Maharaja [Srila Bhaktissidhanta Maharaja] introduziu esta cerimônia de iniciação brâmane porque, no seu tempo, smarta brâmanes [brâmanes que defendiam o sistema de castas] foram ridicularizando Vaishnavas como não sendo brâmanes qualificados, pois eles não nasceram em famílias brâmanes e não haviam recebido nenhuma segunda iniciação. Então, para contrariar esta atitude depreciativa em relação à comunidade Vaishnava, ele introduziu esta política, mas não é importante. Pode-se perfeitamente ser consciente de Krishna simplesmente pela primeira iniciação, a iniciação Hare Nama. Nada mais é necessário. É uma formalidade para satisfazer os Smarta Brahmins” [1]

As leis atuais da ISKCON permitem que a pessoa receba a segunda iniciação no mínimo um ano após a primeira. Os devotos com segunda iniciação podem cumprir funções sacerdotais, como pujari (a pessoa que cuida das Deidades no templo), realizar agni-hotras (cerimônias de fogo), etc.

Em resumo, fique tranquilo! Não é necessário se afobar com a questão da iniciação formal. O importante é estar “iniciado” no sentido simples e prático da palavra, ou seja, estar de fato praticando a consciência de Krishna de acordo com o método prescrito, sob a guia de Srila Prabhupada e dos devotos que estão lhe ajudando. Isto é o que lhe trará avanço.

A consciência de Krishna é uma ciência espiritual. Rótulos externos e formalizações não têm tanta importância. O que importa mesmo é seu estado de consciência, seu avanço na purificação de condicionamentos mundanos e seu grau de amor por Krishna. Concentre-se em aperfeiçoar suas práticas diárias, em especial a prática da japa e o cultivo do conhecimento transcendental, e tudo mais acontecerá naturalmente.


1 “It is not very important. My Guru Maharaja introduced this ceremony of Brahmin initiation, because in his time Smarta Brahmins (caste conscious) were deriding Vaishnavas as not being qualified Brahmins, because they were not born into Brahmin families and had received no second initiation. So to counteract their belittling attitude towards the Vaishnava community, he introduced this policy, but it is not very important. One can become perfectly Krishna conscious simply by first initiation, Hare Nama initiation. Nothing else is required. It is a formality to satisfy the Smarta Brahmins – caste conscious community.” – Conversa com Hamsadutta Das, Boston 1968, logo após a primeira iniciação brahmínica da ISKCON