AS 3 FASES DA BUSCA ESPIRITUAL

Após vários anos guiando pessoas no caminho do yoga, uma questão recorrente tem surgido por parte de meus alunos: ” Dentre tantos caminhos para seguir, preciso mesmo escolher um só?”
A resposta direta é: “Sim, precisamos escolher um caminho, UM SÓ CAMINHO. Diferentes caminhos têm diferentes objetivos com diferentes prioridades e com diferentes técnicas”.
O que iremos explanar aqui é: a) por que é necessário escolher um caminho; b) o que acontece quando deixamos de escolher um único caminho,; c) porque no início algumas pessoas têm a inclinação natural de não querer escolher.
Falaremos ainda sobre uma linhagem espiritual da Índia que APARENTA dizer que se pode seguir todos os caminhos, mas que na realidade não está!
A evolução no caminho da busca espiritual costuma ocorrer em 3 fases. O entendimento destas fases nos ajudará a compreender melhor como lidar com a variedade de caminhos.
1ª) FASE BUSCADOR
A busca por um caminho espiritual ocorre quando algo especial desperta nosso desejo de ir mais fundo. Esse algo especial vem da inquietação e da necessidade de descobrir quem realmente somos, de onde viemos, para onde vamos e o que estamos fazendo aqui. Queremos entender a vida, o sentido de existir e nosso propósito nisso tudo. Ou seja, nossa consciência já está despertando e isso é INCRÍVEL!
A maioria das pessoas passa a vida focada em realizações materiais, em busca de relacionamentos, status, ostentações, etc. O problema é que uma hora isso não bastará, não mais irá preencher o coração e uma sensação de vazio, frustração e certa falta de realização vai falar mais alto. O que seria isso que está faltando? O que falta, é justamente a consciência que não somos somente esse corpo material, que somos algo mais.
A partir dessa abertura de consciência e da possibilidade de expandir horizontes, surge uma euforia natural e merecida. Queremos conhecer e experimentar tudo e olhamos para todos os lados. Uma semana estamos estudando uma determinada religião, na outra praticamos uma meditação budista, depois fazemos um kirtan para Krishna, em seguida fazemos um passe no centro espírita, uma oferenda a Iemanjá, temos cristais para combater energias ruins e tudo é lindo.
E é lindo mesmo! Tudo que estimula e eleva a consciência, que nos leva para o bem, que parece estar nos purificando, falando ao nosso coração… é maravilhoso! Estávamos em uma caverna escura e de repente saímos. É muita luz, muita novidade.
Chegamos então a uma conclusão PREMATURA: tudo é bom. “Vou aceitar todos esses caminhos e todos os mestres. Não sou como essas pessoas limitadas que aceitam apenas um caminho. Elas estão perdendo tanto, pois vejo tanta coisa linda para todo lado.”
O problema é que somos uma única pessoa. E os verdadeiros preceptores de cada um desses caminhos não estão lhe pedindo para aceitar um pouco de tudo. Cada um deles está seguindo e ensinando apenas um caminho.
Ao tentar seguir vários caminhos, a pessoa de fato não está seguindo caminho nenhum, mas sim INVENTANDO um novo caminho só seu, o que é um ato no mínimo temerário. Inconscientemente, ao fazer isso, o buscador está dizendo: “Jesus não acertou, Krishna não sabe tudo, Buda se confundiu… eu agora sei o que é melhor! Vou juntar um pouco disso e um pouco daquilo e chegarei na perfeição espiritual.”
Ao aceitar todos os caminhos, o seguidor na verdade rejeita todos os caminhos e escolhe a si mesmo acima de todos.
Vou explicar agora porque tão facilmente aceitamos essa visão.
Um conceito comum em todos os caminhos autênticos é o que nos Vedas é chamado de DHARMA. Dharma é o caminho da luz. É usar o livre-arbítrio para ser a melhor pessoa que podemos. O tema do dharma é amplo, mas apenas para termos um vislumbre, basta dizer que os quatro pilares do dharma são: veracidade, compaixão, pureza e determinação.
Diferentes caminhos podem ter diferentes objetivos, práticas e conceitos. Mas sem dharma, não é possível haver avanço. O dharma é brilhante e transformador. É o segredo para organizar a vida e expandir a consciência. Todos os grandes caminhos colocam grande ênfase no dharma.
O dharma é tão luminoso que não é incomum que o buscador nesta primeira fase não consiga enxergar além, para os detalhes mais finos da espiritualidade. Questionamentos sobre a importância de entender Deus, seus aspectos, impersonalismo versus personalismo, etc. parecem inconsequentes, desimportantes e triviais. “Krishna, Rama, Jesus… o que importa?”, pensa a pessoa. “É tudo igual. Quem pensa que há diferença ainda não expandiu a mente como eu. Deus é amor, e isto basta. Detalhes adicionais sobre Deus são irrelevantes.”
A ideia que todos os caminhos levam a Deus é categoricamente errada. Muitos caminhos, mesmo dentro da tradição indiana, não levam a Deus. Eles possuem outros objetivos específicos. E mesmo dentre os caminhos abertamente teístas, há importantes diferenças de visão sobre a natureza de Deus e do processo para se chegar até Ele.
Quem Deus é realmente importa! Como Deus se comporta, como é Sua morada, como será minha eternidade com Ele são questões de crucial importância. Mas, no início, o brilho do dharma encontrado em todos os caminhos e a euforia de estar “saindo da caverna”, leva à conclusão prematura que tais questões são supérfluas.
ALERTA: A maioria das pessoas fica presa na fase 1!
Mas, espere, alguns podem dizer. “Eu conheço grandes mestres que aceitam vários caminhos!”, sendo Yogananda um dos exemplos mais citados. Mas este é um engano comum, pois a coisa não é exatamente assim.
Neste ponto é necessário explicar um importante “detalhe”, mas que de fato é um ponto central, que é a questão do impersonalismo versus personalismo.
Mestres como Yogananda, Krishnamurti e vários outros pertencem a uma linha de pensamento chamada de “impersonalismo”. Mais precisamente, eles são seguidores dos conceitos de Advaita Vedanta, propagados pelo famoso mestre do século VIII, Shankaracharya (em português se escreve também Xancara, pois essa é pronúncia).
O impersonalismo requer um estudo aprofundado, principalmente por ser bastante diferente daquilo que estamos acostumados a ver nas tradições religiosas mais comuns no Ocidente, como o cristianismo. Mas é uma linha de pensamento bastante difundida, que permeia a tradição e história da Índia. Ela é encontrada em muitas linhas do yoga e é o princípio comum do Hinduísmo como um todo.
De fato, ela se tornou assim tão popular, justamente pela “criação” do hinduísmo moderno, que teve ativa participação de Yogananda.
No final do século XIX, os Ingleses estavam tentando ativamente desmantelar a cultura e religião indiana para substitui-las pelo cristianismo e cultura inglesa. Imperialismo cultural da pesada.
Na Índia, desde a antiguidade remota, diversos caminhos religiosos e conceitos espirituais coexistiram pacificamente lado a lado, aceitando que diferentes pessoas estão prontas para diferentes caminhos, com diferentes objetivos. Afinal, somos seres eternos e podemos encarnar ilimitadas vezes. Por isso, se errarmos na escolha do caminho espiritual, ou mesmo não seguir caminho espiritual algum, sempre haverá uma nova chance em alguma outra vida.
Sob a ameaça do imperialismo britânico, munido com o poder da Revolução Industrial, a elite indiana sentiu que era necessário juntar forças e apresentar uma única bandeira, como forma de resistência unida aos ingleses. Eles então acharam útil e necessário dar ênfase ao caminho impersonalista, como que dizendo, “olhe, nós temos uma religião aqui e não queremos abrir mão dela”, apesar de, na verdade, existirem inúmeras religiões e caminhos distintos.
Bem, agora que entendemos porque se tornou necessário levantar a bandeira do impersonalismo, podemos falar um pouco do que trata este caminho e por que ele parece apoiar a ideia que podemos seguir todos os caminhos ao mesmo tempo.
O conceito impersonalista é que por trás e acima de tudo, a única coisa que realmente existe é algo chamado “brahman”, que é melhor traduzido como “transcendência”, mas pode ser traduzido, usando aspectos de nossa cultura ocidental, como “luz de Deus”, “Deus”, “espírito”, “brilho divino”, etc.
Neste caminho, Deus, alma, Jesus, Krishna, seja o que for, ou quem for, não é o aspecto último da realidade. Na verdade, eles acreditam que tudo isso são meras manifestações, ilusões na verdade, da energia transcendente, o brahman. Brahman é uma energia indiferenciada, indivisível e transcendente. Toda e qualquer individualidade, forma ou conceito que possa existir, é uma ilusão, um fragmento dessa realidade última.
A analogia que é frequentemente utilizada por eles é que somos como um pequeno pote contendo água do mar. Quando atingimos a realização espiritual, o pote se quebrará e seu conteúdo, nossa sensação de existir, irá embora e se fundirá no oceano deixando, portanto, de existir. Ou, melhor dizendo, nunca existiu e, apenas por ilusão, achávamos que existia.
Mas não para por aí. Neste conceito, Deus, tampouco, existe eternamente. Não há Deus, não existe uma morada eterna de Deus, não tem você, nem eu. Só há o brahman. É uma filosofia, na verdade, ateísta. Deus não existe. Só existe essa energia transcendental última, o brahman.
O que torna as coisas confusas é que os mestres que trouxeram esta tradição para o ocidente não a apresentaram tão claramente e, ao traduzir a doutrina para os idiomas ocidentais, utilizaram termos do vocabulário religioso cristão, como Deus, devoção e amor.
Eles até estimulam a devoção sem, no entanto, acreditar que o devoto vá juntar-se eternamente a Deus em Seu reino, como praticamente todos os religiosos ocidentais acreditam, como os devotos de Krishna acreditam e como eu ensino aqui. Para eles, a devoção é apenas um meio para elevar a consciência ao nível de então entender que Deus e alma realmente não existem.
Ufa! Esta explicação, ainda que breve e incompleta, objetiva entendermos que a filosofia impersonalista aparenta aceitar tudo, estimulando devoção a Jesus, Krishna, Iemanjá ou um cristal – como quiser! –, mas que na verdade está rejeitando todos esses caminhos e levando seus seguidores para seu caminho específico de se fundir no brahman.
Infelizmente, o buscador desta primeira fase, que justamente está começando e está achando tudo lindo, pode facilmente confundir-se com esta linguagem e acabar se dedicando a um caminho ateísta, sem saber. Achando que está escolhendo um caminho devocional e fazendo algo que vai aproximá-lo de Deus, ele ou ela está, na verdade, fechando as portas, deixando de escolher um caminho verdadeiramente devocional, cujos mestres estão realmente em comunhão amorosa eterna com Deus.
Para nós, devoção não é um meio, mas sim o aspecto mais elevado da espiritualidade. É o caminho do amor eterno. O Caminho 3T segue essa linha devocional, com o objetivo último de viver em eterno serviço e amor a Deus, no reino de Deus, como praticamente todo cristão, muçulmano e judeu almeja. Isso porque entendemos que o objetivo da vida humana é o yoga (conexão) com Deus, que foi perdido justamente pela curiosidade da alma em ver como seria a vida sem Deus.
Portanto, cuidado com essa armadilha de aceitar esses mestres que dizem aceitar tudo. Quem diz isso está no caminho impersonalista e está fazendo um jogo de palavras. Está usando palavras como Deus, devoção e alma, mas sem deixar claro que acham que tudo isso é passageiro e ilusório.
Ao escolher o caminho deles, você de fato não está escolhendo seguir tudo, mas sim seguir o específico caminho deles. E nesse caminho você está escolhendo não buscar essa vida eterna com Deus, mas sim achando que pode deixar de existir como alma individual, achando que poderá se fundir no brahman.
Eu digo aqui “armadilha” não no sentido pejorativo. Se você conscientemente desejar o caminho impersonalista, se fundir, deixar de existir, não aceitar Deus como existente etc., você pode! Se alguém escolhe este caminho consciente do que se trata, eu respeito inteiramente. Eu pessoalmente tenho certeza de que esse caminho não é o melhor. Mas, como falei, somos eternos e Deus realmente existe, então, seja nesta ou em outra vida, o buscador terá a oportunidade de completar sua busca espiritual com verdadeira devoção e comunhão com Deus.
O termo “armadilha” aqui é no sentido de achar que é outra coisa. De parecer que está alinhado com essa tendência imatura da primeira fase do buscador, de achar tudo lindo e querer aceitar tudo.
O ponto é que nunca se pode aceitar tudo. Só podemos aceitar um caminho. Devemos, assim, depois de nossa busca inicial, escolher um único caminho.
2ª) FASE SÉRIA
Nesta fase, olhamos ao redor e podemos identificar um mestre, um caminho que melhor responde às dúvidas, que não apresenta falhas, que nos parece ter mais autenticidade, em que podemos mais confiar. O buscador começa a direcionar o seu foco. A empolgação inicial se solidifica em um compromisso sério. Amadurecemos.
Uma comparação simples: Existem muitos homens e mulheres, mas vou me casar com um ou uma. Se quiser ficar com todos ou todas, não ficarei com ninguém.
DEDICAÇÃO TOTAL. Nessa fase, o buscador pausa as múltiplas pesquisas e agora se aprofunda, estreita o foco, vai fundo, num único caminho, sob a guia de um único mestre espiritual.
A elevação da consciência é algo real. Ao seguir seriamente, você não será a mesma pessoa. Você enxergará a vida de forma diferente, sua percepção mudará. Sua forma de enxergar o mundo não será a mesma depois de, com seriedade, avançar espiritualmente.
Isso requer estudo, prática e dedicação. Não é simples, mas o resultado é MARAVILHOSO!
E se der errado? E se eu tiver escolhido errado? Não se preocupe! Nunca há perda nesse caminho. Se após se aprofundar em um único caminho, você perceber que não é isso que lhe preenche (pode acontecer!), volte à fase anterior. Pesquise mais, amplie sua gama de visão para encontrar um outro caminho.
Ou talvez baste apenas encontrar um outro mestre dentro do mesmo caminho, um que melhor atenda às suas necessidades, que lhe dê o apoio que você precisa e responda as dúvidas que não foram antes sanadas.
Tenho muitos alunos que foram evangélicos ferrenhos, espíritas dedicados, budistas por longos anos, ou discípulos de mestres de caminhos impersonalistas. Foram fundo, viram que algo lhes faltava e agora estão avançando novamente com o Caminho 3T.
Falamos no início desta seção da comparação com o casamento. Você precisa ter total dedicação ao iniciar o casamento. Faz votos, escolheu, vai fundo. Mas se mais tarde perceber que não deu certo, pode buscar o divórcio e se casar novamente, agora com mais sabedoria, mais experiência. É assim.
Portanto, sem medo, mergulhe fundo e com compromisso, com dedicação total e exclusiva.
3ª) FASE LIBERADA
Após muitos anos de dedicação exclusiva no caminho escolhido, normalmente décadas, um bom discípulo ou discípula, chegará ao ponto de ver a realidade claramente, EXPERIMENTANDO a realidade, vivendo diretamente tudo que lhe foi passado. Neste ponto, pode novamente ampliar os estudos. Uma vez firmes em nossas práticas, certos de nossas prioridades, tendo obtido o sucesso com elas, podemos ver tudo e todos, conhecer os outros caminhos e ouvir outros mestres.
Faremos isso não no intuito de segui-los, mas para apreciar a beleza do todo e aumentar nossa experiência. Poderemos realçar e aprimorar detalhes de nossas práticas inspirando-nos pelos outros.
Ficamos como a abelha que consegue colher o néctar de todo tipo de flor. Seremos capazes de apreciar tudo, sem nos perdemos ou nos confundirmos.
Esta é a fase iluminada. Neste ponto, o antes buscador não mais necessita buscar. Já encontrou e sabe que encontrou. Ele agora poderá entregar a tradição que escolheu para outros. Agora o discípulo se tornou também um mestre.
Espero que o que aqui compartilhei lhe ajude a entender a pergunta inicial e que você se sinta inspirado ou inspirada a fazer sua escolha e se aprofundar seriamente em um único caminho.
Links para aprofundamento:
Nesse vídeo eu explico o tema abordado nesse texto:
Nesse vídeo eu explico o conceito básico do Dharma:
Nesse link você poderá entender um pouco mais sobre as falhas no conceito impersonalista.
Nesse vídeo eu explico o poder e necessidade de ter um mestre espiritual: